A revolta que nos move / crítica do espetáculo Esperança na Revolta
- Pedro Alonso
- 19 de set. de 2019
- 3 min de leitura
15 de setembro foi o último dia que a Confraria do Impossível apresentou o espetáculo Esperança na Revolta no Terreiro Contemporâneo, local que abrigou a montagem desde o início do processo. Mas quem chegou após a distribuição de senhas, e não conseguiu assistir no espaço, que abrigava pouco mais de quarenta espectadores, poderá conferir no Teatro Carlos Gomes brevemente. E tem que ver!
A peça, que teve três indicações ao Shell 2019, conquistando o prêmio na categoria direção, de André Lemos, conta a história de sujeitos que vivem em territórios distintos, cada um deles em situação de guerra, no Oriente Médio (Curdistão e Paquistão), na África (Ruanda) e no Brasil (Rio de Janeiro): a adolescente que resolve deixar a casa dos pais para se agenciar a uma milícia formada por mulheres combatentes; o jovem radical que aceita a missão do Talibã de assassinar a filha de um professor por ele tecer críticas ao regime e por deixar a mesma frequentar a escola; o irmão de um traficante que é sequestrado e morto pelo policial que está à caça do assassino de seu parceiro de profissão e, finalmente, a família de um determinado grupo étnico que entra em desespero com a possível dominação da casta rival, cujo conflito deriva de séculos de existência. Em meio a todos eles, destaca-se a figura da mãe, sempre a sofrer quando perde o convívio dos filhos para qualquer embate bélico.
As narrativas vão se entrelaçando, formando um painel de horror, opressão e de fuga, e sobre esse último elemento, podemos pensar no imenso contingente de famílias que deixam suas casas em busca de refúgio. O olhar para essa realidade amarga, que não é mais nenhuma novidade para nós, espectadores de barbáries, estará banalizado quando a sociedade não demonstrar mais empatia com quem morre, muito menos com quem chora.
Mas, se, por um lado, a falta de perspectiva obriga o cidadão a fugir do seu lugar de origem por medo, por outro lado, dentro desse cenário de desolação, é possível encontrar uma motivação que nos faça acreditar na luta. E é esse o mote do espetáculo. Malala e Gulan, personagens da peça, são, nesse sentido, exemplos interessantes que ilustram bem esse contexto: Gulan não sofreu a violência extrema a que Malala fora submetida, no entanto, tivera que sair de casa e se reinventar como sujeito, ainda que adolescente, para pegar em armas e combater os radicais de seu país. Malala, sem pegar em armas – quase fora derrotada por esta – conseguiu que sua voz ultrapassasse os muros da ignorância e conquistasse o Prêmio Nobel da Paz.
A ação cênica acontece sobre um carpete estreito, explorado de maneira inteligente pelos atores. É impressionante como, agora, repensando o todo da encenação, a cena se expande, toma um vulto para além daquele limite físico exíguo. Na parte de cima, arames pontiagudos estão dispostos de forma simbólica, evocando esse espírito de que ali haverá um combate. Sacos de cimento, que estão empilhados no entorno do carpete, servindo de acento para os atores, ajudam a lembrar de trincheiras que separam campos opostos.
A base do figurino é o tradicional preto dos atores, incrementado com adereços coloridos que remetem à indumentária das culturas islâmica e africana. O som é produzido ao vivo pelo próprio elenco, que coloca os instrumentos a serviço da cena, utilizando-os como arma, como escudo, como objetos de afronta e de ressignificação de suas possibilidades. Já a iluminação consegue construir atmosferas densas em cada situação dramática apresentada.
O elenco da Confraria do Impossível mergulha de corpo, alma e intensidade num projeto de grande impacto. Alex Nanin, Daniel Vargas, Reinaldo Junior, Wayne Marinho, Claudia Barbot, Juciara Awo, Nadia Bittencourt, Livia Prado, Tarso Gentil, Raquel Araújo e Beá Felício imprimem vigor em cenas de violência e ternura, sustentando a energia da ação que nunca é decrescente. O batuque, o movimento dos corpos, a brutalidade do embate, do ataque e a fúria com que se unem em coro para cantar e reivindicar contagia e capta o olhar de todos ali presentes.

Esperança na Revolta é uma resposta da cultura às instituições oficiais da atual “democracia” brasileira, que odeia a Arte, corta verbas, censura filmes e impede o desenvolvimento intelectual pela sensibilidade. A metáfora do título da peça serve tanto para os atores, que não se intimidaram ante a falta de qualquer apoio, mas para todos que acreditam na força da educação e no progresso do desenvolvimento com afeto e respeito mútuos.
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